02 setembro 2016

Passageiro

As pernas dela estavam encaixadas nas dele que estavam abertas. As panturrilhas se tocavam e os joelhos se apertavam às vezes. É sempre constrangedor viajar no ônibus sentada nesse banco de frente para o outro.

Ele era moreno, cabelo escuro como a noite, camisa social azul clara que ficava justa nos braços largos. O peso da semana lhe caiu nas costas, tinha a expressão cansada. Encostado na vidro às vezes cochilava, às vezes olhava o movimento da rua. 

Eu tentava não encará-lo, não notar sua forte presença na minha frente era difícil. Eu revezava entre trocar de música no celular, mudar a trilha sonora que ouvia enquanto decorava cada detalhe do corpo dele ou digitava qualquer coisa no celular.

De dentro da minha bolsa tirei meu espelho da minha necessaire. Fui ver o que restou da maquiagem no fim da noite de sexta. Olhei meu batom rosa pouco apagado, tirei um pouco do lápis preto no canto do olho e num movimento ousado olhei adiante, além do espelho. Vi o homem grande e forte sentado na minha frente me encarando e de susto, diminuir de tamanho acanhado - eu nem precisava mais olhar no espelho, pois sabia que eu devia estar com um blush renovado, rosa de vergonha.

O cansaço do meu dia havia se renovado juntamente com minha auto estima ali naquela troca de olhares.

Ele estava incomodado, cansado, olhava sem parar o iphone dele e eu notando cada detalhe, querendo dizer:

- Quer conversar?

Desceu uns 5 pontos de onde moro e mais uma vez perdi a chance de falar com alguém que me inspirasse e instigasse tanto.

Quem sabe numa próxima viagem o destino não transforme o que é passageiro em algo duradouro.

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