24 dezembro 2014

No ponto!

Era uma quarta-feira como outra qualquer. O café mal tinha saído do filtro e já esquentava a caneca que ela segurava. A rotina era a mesma todos os dias: acordava às 6h30, tomava banho, se arrumava para estar 8h30 na empresa. Pontualidade era sua melhor amiga, mas não hoje, pois, o café que saiu do bule, caiu em cima da sua blusa favorita, fazendo com que ela perdesse 15 minutos e seu ônibus. O jeito era pegar qualquer um que a levasse para mais perto do trabalho.

Com o ônibus cheio, o melhor lugar era perto da porta. Encostou no canto e quis ficar em paz, porém, perdeu o rumo depois de uma freada. Ela foi lançada em cima de um rapaz. O problema não foi ela ter voado no transporte público, nem por ter pisado em vários pés. O problema foi aquele que a segurou, o problema foram aqueles olhos que invadiram sua alma.

Ela não ouviu quando ele perguntou pela segunda vez se estava bem. As mãos dele seguravam os braços dela, apesar de segurar forte, ela se sentiu protegida e confortada ao mesmo tempo. Sentia seus braços quentes como seu rosto. Ele tinha a pele morena, cabelos e barbas curtos e pretos. Estava bem arrumado, era bem estiloso, vestia uma camiseta azul e um sorriso que não se encontrava em qualquer loja e combinava com tudo que usava.

Ela pegou sua mochila, pediu desculpas e desceu no próximo ponto. Era o ponto errado, mas só percebeu uns minutos depois. Desnorteada, vermelha e quente de vergonha, andou mais de cinco quarteirões até seu trabalho, onde seus colegas se espantaram pela vermelhidão de sua face.

Chovia na cidade como há tempos não chovia. Ela sorriu lembrando que esqueceu o guarda-chuva em casa depois de trocar de blusa. Saiu umas 2 horas a mais do normal, foi andando até o ponto de ônibus como sempre; se molhou, mas não se importou. Por sorte seu ônibus passou rápido. Subiu os degraus e reparou com um ônibus praticamente vazio, poucas pessoas e uma surpresa. Quem estava no banco mais alto no meio? Ele!

Ela não quis ser do tipo que invade o espaço pessoal alheio e senta ao lado dele, quando existiam inúmeras opções de bancos vazios para escolher. Será que ele mora perto? Será que mora longe de onde iria descer? Será que ele percebeu que ficou tempo de mais parada no meio do corredor pensando em todas essas indagações?

Sentou no banco atrás dele e sentiu seu perfume. Ele lia algum livro e nem reparou na presença dela, que o observava pelo reflexo do vidro e via toda vez que ele sorria em algum parágrafo.

Ele levantou e deu sinal para descer. Ela pensou que se teve sorte de encontrá-lo duas vezes no mesmo dia, devia ser algum sinal. Destino, sorte, carma, simples coincidência, alinhamento de Júpiter com Vênus, devia ser alguma coisa, sabia que tinha de fazer algo. Olhou seu reflexo no espelho e riu, a chuva havia deixado seu cabelo preto mais escorrido que o normal. Reparou que não estava com sua blusa favorita, talvez ela não trouxesse tanta sorte assim. Tinha um peso nas costas que há anos carregava sem um porquê. A cada degrau e passo que ele dava, uma força dentro dela crescia e ia a dominando sem explicação. Ela estava cansada de tudo que havia vivido e experimentado, já tinha passado da hora de crescer e sair do mundinho que vivia. Ele desceu e ela num súbito foi atrás. Gritou por ele que virou assustado, ele voltou a vestir aquele lindo sorriso e disse:

- É você a moça de hoje de manhã?!

- Sou eu sim. Não tive a chance de te agradecer.

- Não foi por nada... Você mora por aqui?

- Moro daqui uns oito quarteirões
- disse ela encabulada - Desci apenas para falar contigo...

- Foi muito corajoso de sua parte...

A chuva tinha dado lugar a uma garoa, porém ambos foram conversar embaixo de um ponto coberto.

- Eu já tinha te visto antes... ele disse deixando-a sem reação

- Aonde?


- No ponto!


- No ponto? Que ponto?


- No ponto de ebulição!
 disse ele ironicamente e rindo um pouco - No ponto perto da doceria na semana passada... 

- Eu preferia que tivesse sido em ponto de ebulição  - disse colocando um sorriso malicioso no rosto

De repente o sorriso dele sumiu assim como os batimentos cardíacos dela - o que tinha falado de errado? Ela se aproximou lentamente e colocou as mãos na cintura dele, ele respondeu puxando-a em sua direção, pegando na nuca dela. Era tudo aquilo que ela precisava, aquele momento, aquele beijo a liberou do esconderijo que se encontrava. Agarrou ele com força e retribuiu o carinho arranhando-lhe as costas, que respondeu descendo a mão mais para baixo. Ela mordeu o pescoço dele que por vingança apertou sua bunda, as pernas dela bambearam e ele sorriu satisfeito.

A chuva, o horário e qualquer outra interferência externa, não existiam ali, apenas os dois. O ponto estava pequeno para eles. As mãos de ambos já tinham feito o itinerário completo com direito a ida e volta, mas era preciso uma parada a mais.

- Agora sou eu que estou no ponto... disse ele puxando ela pela mão e a conduzindo para sua casa que era ali próximo

Nessa viagem eles rodaram a catraca e foram até o terminal com integração de bilhete único e tudo mais. Hoje em dia eles ainda se encontram sem querer... Ela liga dizendo: estou no ponto.